17 de setembro de 2019
O IV Colóquio Jornalismo, Resistência e Literatura reuniu, no dia 6 de setembro, profissionais e pesquisadores de diferentes linhas de atuação para discutir os desafios da área frente às mudanças sociais e políticas da atualidade. Em três mesas, foram debatidos, com intensa participação da plateia, os temas jornalismo de resistência, futuro da televisão e jornalismo e literatura. O evento fez parte da programação do 42º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom 2019), realizado de 2 a 7 de setembro na Universidade Federal do Pará (UFPA) em Belém.
Estiveram presentes na primeira mesa o juiz federal e escritor Edevaldo de Medeiros e o documentarista Felipe Bretas. Conhecido por sua postura crítica em relação à midiatização de processos judiciais, Edevaldo de Medeiros iniciou sua fala citando o cronista paraense Inglês de Sousa, em uma homenagem também ao estado do Pará, que recebeu neste ano o congresso nacional da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). No conto “Voluntário”, publicado em 1893, Sousa narra o diálogo entre um juiz e um advogado, que havia conseguido autorização da Justiça para impedir um cliente de lutar na Guerra do Paraguai (1864-70); apesar da decisão, o personagem é obrigado pela polícia a ir para o campo de batalha, e o cronista expõe a falta de liberdade e independência do sistema judicial brasileiro:
“A indignação fez-me ultrapassar os limites da conveniência. Perguntei irado ao juiz como se deixara ele assim burlar pela polícia, expondo a dignidade do seu cargo ao menosprezo de um funcionário subalterno. Mas ele, sorrindo misteriosamente, bateu-me no ombro e disse em tom paternal:
— Colega, você ainda é muito moço. Manda quem pode. Não queira ser palmatória do mundo. (SOUSA, 2005, p. 35)”
Durante sua fala no colóquio, o juiz federal expôs elementos que mostram que as influências políticas e a independência limitada da Justiça no Brasil ainda são realidade, citando principalmente a suspeição da Operação Lava Jato. Ele resumiu a atuação da Polícia Federal, do Ministério Público e dos tribunais nesse tipo de operação com a frase: “Primeiro atiram a flecha e depois desenham o alvo”. Em seguida, falou sobre os perigos de expor processos na mídia de maneira sensacionalista. “Inquéritos não têm nome. Operações são manobras militares de ataque e de foco no réu e no investigado como inimigo. Tiram o processo penal do campo jurídico e o trazem para a mídia. O investigado na operação vira bandido, e defesa e acusação saem do âmbito judicial e vão para a mídia.”
Medeiros destacou a importância de uma retomada ética no jornalismo, acrescentando que os tribunais precisam ter mecanismos democráticos: “Juízes não combatem o crime. Eles apitam o jogo, e não são salvadores da pátria. Não há saída para essa crise fora das instituições. É preciso reverter a anomalia que permite a um juíz de primeira instância influenciar as decisões de instâncias superiores.”
Demonstrando preocupação com a influência das fake news e o papel da internet em cenários de democracia desestabilizada, Felipe Bretas defendeu a busca por atos cotidianos de resistência e provocou a plateia a buscar soluções coletivas: “Imagine nosso poder se, a cada fake news publicada e descoberta, parte da população resolvesse doar livros. É preciso buscar estratégias sutis, de resistência cotidiana. O que fazer quando sinais de resistência são encarados como perigosos?”.
O papel da mídia na crise democrática também foi abordado na segunda mesa do colóquio, que recebeu Franklin Martins, ex-ministro chefe da Secretaria de Comunicação e ex-diretor da Rede Globo, e Nathália Kawage, repórter da TV Liberal (Pará). Ao discutirem o futuro da televisão, os participantes foram unânimes em apontar a internet como forte influenciadora das novas linguagens.
Franklin Martins defendeu a liberdade e a pluralidade da imprensa e afirmou que o grandes oligopólios que dominam a mídia no Brasil impedem a concretização desse cenário. O ex-ministro lembrou que as emissoras de rádio e TV no Brasil são concessões públicas e precisam de regulação, sendo enfático ao defender a autonomia e a imparcialidade dos profissionais da imprensa. “É possível melhorar o jornalismo dentro desse conflito entre o velho e o novo [...] A primeira lealdade do jornalista é com a sociedade, e o profissional não é cachorro para comer na mão das fontes”, sentenciou.
Para a última mesa do evento, foi convidada a jornalista e escritora Cristina Serra. Ex-repórter especial da TV Globo, ela é autora do livro “Tragédia em Mariana: A história do maior desastre ambiental do Brasil” (Record) e hoje se dedica à produção literária a partir de grandes reportagens. Cristina relatou parte de seu processo de desligamento do jornalismo diário, paralelamente ao acirramento da cobertura parcial dos acontecimentos políticos mais recentes no Brasil – e, para a jornalista, a literatura representa uma alternativa a essa realidade.
Idealizador e mediador do colóquio, o professor Felipe Pena (UFF/Intercom) frisou a necessidade de que a reação ao enfraquecimento da democracia passe por estratégias bem elaboradas. Ele ressaltou o papel da comunicação no combate à produção e à disseminação de notícias fraudulentas pelas redes sociais e ao chamado lawfare – que utiliza o sistema judiciário para fins políticos. Numa fala emocionante, o professor devolveu à plateia do evento o questionamento sobre as formas de responder a tais desafios: “Talvez não seja o momento de usar a palavra “resistência”, mas sim de encarar o medo como combustível para essa resistência. O silêncio e o medo paralisam. E de onde a gente tira forças para enfrentar isso?”.
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