10 de agosto de 2022
O Ciclo de Estudos Interdisciplinares da Comunicação foi realizado pela primeira vez entre 1º e 4 de novembro de 1978 em Santos, no estado de São Paulo, com a presença de 50 congressistas e o tema central “Estratégia para o ensino da Comunicação”. Era o primeiro encontro organizado pela recém-criada Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), que naquele momento preocupava-se com o fomento e a consolidação do campo nas universidades brasileiras. De lá para cá, o Ciclo cresceu e deu lugar ao Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, o principal e maior evento científico do campo na América Latina, com uma média de 3 mil a 5 mil congressistas por ano.
Hoje, o Ciclo de Estudos é o evento central dos congressos nacionais da Intercom, no qual o tema do ano é debatido por pesquisadores e pesquisadoras que são referência nas Ciências da Comunicação. Neste ano, o Ciclo abordará “Ciências da Comunicação contra a desinformação”, que é o tema central do 45º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom 2022). O congresso será realizado presencialmente de 5 a 9 de setembro na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa, e está com inscrições abertas até sexta-feira (12/08). Mais informações aqui.
Coordenado por Nair Prata (Ufop), diretora Científica da Intercom, o 45º Ciclo de Estudos Interdisciplinares da Comunicação terá uma conferência de abertura e três mesas-redondas, todas no dia 7 de setembro no Cine Aruanda do Centro Comunicação, Turismo e Artes (CCTA), no campus I da UFPB. A abertura está programada para as 8h30, com apresentação feita por Giovandro Ferreira (UFBA), presidente da Intercom, e conferência de Eugênio Bucci (USP). Saiba mais.
O JORNAL INTERCOM teve acesso exclusivo aos artigos que já foram enviados por algumas e alguns palestrantes. Confira a seguir uma pequena prévia do que será apresentado e discutido nas três mesas.
MESA 1
Das 10h30 às 12h30, a primeira mesa abordará “Ciências da comunicação e da informação no combate à desinformação” e terá a presença de Carlos Frederico de Brito D’Andrea (UFMG), Elizabeth Saad (USP), Igor Sacramento (UFRJ) e Joana Belarmino (UFPB).
“Podemos dizer, sem exageros, que a digitalização desconfigurou uma existente e suposta estabilidade social mediada pelos clássicos canais unidirecionais de comunicação, evidenciando processos latentes de comunicação, informação e empoderamentos de todos os tipos. [...] Na esteira deste cenário surge um processo genericamente denominado de ‘desinformação’ que se utiliza das ferramentas e affordances existentes para fomentar um ambiente social de polarizações, publicação de inverdades, guerras narrativas e conflito institucional”, escreve Elizabeth Saad, professora titular sênior do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCom) da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Grupo de Pesquisa COM+, em texto que fundamentará sua palestra no Ciclo de Estudos.
Apontando a desconfiguração do conceito de desinformação na contemporaneidade, Saad buscará traçar um esquema conceitual para tratar a desinformação. “A desordem informativa, abarcando a desinformação, ocorre como um fenômeno social para além da produção jornalística. [...] Mas não podemos desconsiderar que o jornalismo, por seu caráter ontológico intrínseco de reportar os acontecimentos, é alvo preferencial de ações de desinformação especialmente nos relatos políticos, dada a ambiguidade da cena política. [...] Donovan conceitua a misinformation como um conteúdo de imprecisão não intencional e de disseminação inadvertida; e a desinformação, como um conteúdo intencionalmente falso ou enganoso, geralmente disseminado para a obtenção de ganhos políticos, lucros ou para desacreditar pessoas, grupos, movimentos sociais ou partidos políticos. [...] A diversidade conceitual apontada explicita o campo político como o principal centro gerador de desordem informativa, e o ecossistema midiático como o campo onde se produzem e circulam conteúdos de desinformação”, conclui Saad, seguindo para a identificação dos atores e ciclos da desinformação para discutir as formas de combatê-la.
Partindo da noção de infraestrutura e dos estudos de plataforma, Carlos D'Andréa, professor do PPGCom da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e coordenador do Grupo de Pesquisa R-EST (estudos redes sociotécnicas), para analisar o papel das plataformas digitais na desinformação. "Serviços on-line diversos como o Instagram, a Uber ou o Twitter devem ser compreendidos como plataformas cujo funcionamento ancora-se em um contínuo processo de processamento e de intercâmbio de dados. A partir da descentralização e da recentralização da circulação desses dados e de sua performatividade algorítmica, as plataformas reorganizam práticas sociais e setores econômicos e se constituem não apenas como empresas altamente lucrativas, mas como protagonistas da atual fase do capitalismo transnacional. De modo cada vez mais evidente, nota-se que esse processo de plataformização não é isento de tensões e disputas, mas sim tornou-se o epicentro de muitas das controvérsias, crises e incertezas em curso pelo menos desde o início da década de 2010", defende. "Ao incorporar as disputas sobre o que é 'social', o que é 'humano' e que formas de conhecimentos emergem a partir de suas articulações materiais e institucionais, a noção de infraestrutura pode ser de grande valia para os estudos sobre desinformação por pelo menos dois motivos complementares. Primeiro, pode ajudar a evitar uma ênfase excessiva na agência dos indivíduos (e suas supostas intencionalidades ou responsabilidades individuais no processo de produção, disseminação ou interpretação de desinformações) ou no poder das extensas estruturas econômicas e políticas das plataformas (que, com frequência, são vistas de modo generalista e monolítico). Segundo, permite que a desinformação seja compreendida para além de visadas tecnocêntricas ao mesmo tempo em que reivindica um olhar atento às muitas materialidades que constituem e são constituídas pelas práticas às quais elas se associam."
Igor Sacramento, professor e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde do Instituto Oswaldo Cruz (PPGICS/Icict/Fiocruz), professor do PPGCom da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador do Núcleo de Estudos em Comunicação, História e Saúde (Nechs), vinculado ao Laboratório de Pesquisa em Comunicação e Saúde (Laces) da Fiocruz, contribuirá para a discussão sobre desinformação, pós-verdade e infodemia para além da checagem de notícias e do desenvolvimento de competências do receptor. "Buscaremos refletir sobre a desinformação científica em saúde a partir da perspectiva das mediações de Jesús Martín-Barbero (1997), deslocando a análise dos conteúdos comunicacionais para as mediações socioculturais, para os grupos sociais, para a cultura e, por conseguinte, para os sistemas de crença. Com o nosso olhar voltado para a recepção e para as pessoas, nós também pretendemos ampliar o debate sobre as possibilidades que a pesquisa etnográfica tem a oferecer para o entendimento do fenômeno", escreve Sacramento. Após refletir sobre a "construção da verdade no contexto contemporâneo e os aspectos de sua validação", o pesquisador buscará entender "o lugar das emoções e das crenças coletivas para a produção da verdade, as potencialidades das mediações e etnografia para a investigação sobre desinformação científica em saúde", proporcionando algumas pistas para pesquisas na área. "No lugar de pensar meramente que determinadas [pessoas] são manipuladas para consumirem notícias falsas, a perspectiva das mediações nos convida a refletir sobre como as pessoas em grupos sociais investem em determinadas informações como sendo verdadeiras em detrimento de outras", conclui.
Já a acessibilidade do jornalismo em ambiente digital como fator de combate à desinformação será o foco de Joana Belarmino, professora titular do Programa de Pós-graduação em Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba. "O jornalismo comercial brasileiro ainda não se ocupou em implementar estratégias consolidadas de acessibilidade nos seus veículos, em cumprimento ao marco legal brasileiro e no reconhecimento de usuários com deficiência como cidadãos, com direitos de acesso pleno à informação e à comunicação", alerta a pesquisadora, acrescentando que os conteúdos jornalísticos, produzidos para o "cidadão médio", acabam por gerar "desinformação e dificuldades de compreensão, conforme demonstram as experiências de navegabilidade, interatividade e acessibilidade nos ambientes digitais da comunicação e do jornalismo". Fazendo um inventário das pesquisas realizadas pelo Grupo de Pesquisas em Jornalismo, Mídia, Acessibilidade e Cidadania (GJAC) entre 2013 e 2022, a pesquisadora refletirá sobre a relação entre desinformação, acessibilidade e formação universitária e atuação profissional de jornalistas e comunicadores.
"O cenário da pandemia revelou-nos que os meios de comunicação convencionais também não estavam preparados para uma cobertura com acessibilidade, repetindo-se os processos de invisibilidade desses grupos, ou uma cobertura sazonal que se limitava a apontar as dificuldades das pessoas com deficiência na pandemia. Esses indicadores parecem demonstrar que ainda temos um caminho longo a percorrer, rumo à uma comunicação acessível e inclusiva", escreve Joana Belarmino.
MESA 2
"Desinformação plataformizada e violações de direitos humanos" será o tema da segunda mesa, que ocorrerá das 14h às 16h no dia 7 de setembro com a presença de Ana Regina Barros Rêgo Leal (UFPI), Glória Rabay (UFPB), Nina Fernandes dos Santos (INCT.DD) e Vera França (UFMG).
Nina Santos, pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), coordenadora acadêmica do *desinformante e diretora do Aláfia Lab, fará uma palestra estruturada a partir de três elementos: "Primeiro, ficou claro que [as fake news] não se tratava de um fenômeno exclusivamente eleitoral. As condições para a ampla circulação de fake news estão dadas por uma nova conjuntura comunicacional e social que vai muito além dos pleitos. Segundo, os efeitos concretos da desinformação na vida das pessoas e, especialmente, de grupos minorizados, tornou-se indiscutível. Terceiro, está cada vez mais evidente que as plataformas têm papel decisivo central nesse processo".
Demonstrando o duplo efeito da popularização das mídias – "o poder de fala foi, de alguma forma, democratizado, mas não se pode dizer o mesmo da capacidade de ser ouvido" –, Santos destaca a mediação no ambiente digital. "A ideia de ‘desintermediação’ é uma falácia que quer nos fazer acreditar que não há mais mediadores influenciando a circulação informativa. Mas eles existem: são múltiplos, pouco visíveis e muito poderosos. Trato aqui especialmente das chamadas ‘plataformas’, as grandes empresas que hoje, privadamente, decidem as regras de qual conteúdo cada um de nós recebe – e, portanto, aquele que deixamos de ver. Elas têm a capacidade e o poder de decidir como tratar os efeitos informativos que fortalecem e aqueles que são nocivos à democracia. A opacidade desse processo, no entanto, impede que o interesse público esteja em primeiro lugar", argumenta, exemplificando os efeitos nocivos dessa realidade na política, na saúde pública e nas questões raciais. "Combater a desinformação, portanto, precisa passar por um esforço de trazer à tona essas empresas [donas das plataformas] e seu papel mediador. Em um contexto eleitoral tão crucial quanto o que vivemos agora, quais são as regras regendo o debate público nos espaços digitais? E quem são as pessoas responsáveis por implementar essas regras?", questiona.
Segundo Vera França, professora do PPGCom da UFMG e pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Imagem e Sociabilidade (GRIS-UFMG), "o termo 'plataformização' desnuda a pretendida neutralidade das mediações sociotécnicas realizadas por essas plataformas e vem nomear uma dinâmica cultural que envolve tecnologia, sociedade, sistemas de poder e indivíduos". Já sobre a relação entre plataformização, desinformação e direitos humanos, França propõe dois aspectos para a pesquisa: a substituição da pessoa (noção que fundamenta os direitos humanos) pelo indivíduo (noção da sociedade contemporânea, individualista), que tem levado à "relativização e pulverização dos direitos"; e as "lutas identitárias, que questionam a real universalidade da Carta de Direitos Humanos", trazendo avanços, mas também uma reação conservadora "muitas vezes violenta, [com] seu desprezo e desejo de aniquilação dos 'outros' incômodos". "Esses dois processos – o individualismo por um lado, a intolerância à diferença e diversidade por outro – vêm na contramão dos direitos humanos. Dos já alcançados e daqueles novos pelos quais lutam os oprimidos", escreve.
MESA 3
Fechando o Ciclo de Estudos, a terceira mesa discutirá o tema "Existe vacina para a desinformação?" a partir das 16h30, com a participação de Luisa Massarani (Fiocruz), Patrícia Blanco (Instituto Palavra Aberta), Pedro Nunes Filho (UFPB) e Pollyana Ferrari (PUC-SP).
Luisa Medeiros Massarani, coordenadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), sediado na Casa de Oswaldo Cruz da Fiocruz, discutirá “vacinas no contexto da desordem informativa”, abordando a queda da cobertura vacinal no Brasil relacionada a notícias falsas e teorias da conspiração, e a infodemia na pandemia de covid-19. Apresentando a iniciativa “COVID19 DivulgAÇÃO científica”, do INCT-CPCT, a pesquisadora sistematiza parâmetros para a divulgação científica relacionada a vacinas: “mostrar a ciência [com destaque para cientistas brasileiros] como empreendimento que vem tendo um papel fundamental no embate do novo coronavírus, inclusive no desenvolvimento de vacinas”; “discutir questões relacionadas a decisões tomadas em relação à imunização que têm impacto importante na sociedade”; “produzir materiais de diferentes tipos que tragam informações confiáveis se contrapondo a informações erradas e distorcidas”; “produzir materiais que ajudem a separar o joio do trigo [...] com formatos distintos, com destaque aos vídeos e a infográficos”; reforçar “a importância da vacinação em outros contextos” que não a covid-19; “NÃO ter como ponto de partida o de que são estúpidas as pessoas que têm dúvidas sobre as vacinas”; e manter “um canal de diálogo franco e aberto sobre as vacinas contra covid-19”.
Pollyana Ferrari, professora titular do Programa de Estudos Pós-Graduados em Tecnologias da Inteligência e Design Digital (TIDD) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e líder do grupo de pesquisa Comunidata, também recorre a experiências pessoais (a perda da mãe para a covid-19, a maternidade solo, a solidão e as mídias sociais) e profissional (o projeto PUC Check, focado em educação midiática e formação de jornalistas) para refletir sobre o tema proposta à mesa, apoiando-se nas teorias de Milton Santos e Byung-Chul Han. “A educação enquanto um direito, para além do acesso por meio da interconexão entre as redes de dispositivos, contempla possibilidades para que o sujeito se torne capaz de analisar a sua realidade a partir de uma perspectiva crítica e reflexiva; neste sentido, a Literacia torna-se fundamental para formação de seres pensantes e críticos como ensinava o pensador brasileiro Paulo Freire”, escreve Ferrari, constatando a queda do interesse por notícias e refletindo sobre casos recentes em que a busca por entretenimento foi central para a disseminação de desinformação (como o da atriz Klara Castanho).
Para Ferrari, “a educação permanente para as mídias e o resgate da presença e da atenção plena podem nos ajudar a combater a infodemia vigente”: “Presença, substantivo feminino. Fato de uma pessoa estar num lugar específico; comparecimento. Existência de uma coisa em um lugar determinado, define o dicionário Aurélio. Estar num lugar específico, manter a mente em atenção plena, observar o contexto com foco e conseguir comunicar-se com empatia e afeto é o que desejamos para dar conta deste tempo desmaterializado em que tudo vira dados a serem compartilhados ou armazenados na nuvem”. “Não existem fórmulas prontas, mas os mecanismos para o resgate da presença, com a utilização de objetos concretos como, por exemplo, a máquina de escrever para exercitar o cérebro a focar, ou mesmo o uso da poesia, escrita manuscrita e música em sala de aula podem mostrar caminhos para ler o mundo atual mergulhado em telas”, conclui a pesquisadora.
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