INTERCOM 2023: CICLO DE ESTUDOS DISCUTIU DESMONTE DAS POLÍTICAS CIENTÍFICAS E PAPEL DA COMUNICAÇÃO NA RECONSTRUÇÃO

21 de setembro de 2023

Com equipe de comunicação do Intercom 2023 – FCA/PUC Minas

A 46a edição do Ciclo de Estudos Interdisciplinares da Comunicação foi realizada nos dias 5 e 6 de setembro no Teatro São João Paulo II, no campus Coração Eucarístico da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), em Belo Horizonte. O evento, promovido desde 1977 pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação e que discutiu o tema central do 46º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom 2023), “Comunicação e políticas científicas: desmonte e reconstrução”, foi composto pela conferência de abertura, com Renato Janine Ribeiro (USP), presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e três painéis, que trouxeram abordagens aprofundadas do tema.

CONFERÊNCIA DE ABERTURA

O filósofo Renato Janine Ribeiro, professor titular da Universidade de São Paulo (USP), ex-ministro da Educação e atual presidente da SBPC, foi o convidado deste ano para abrir o Ciclo de Estudos, com mediação de Giovandro Marcus Ferreira (UFBA), que encerrou sua gestão à frente da Intercom durante o congresso.

Ao abrir a conferência, o professor Giovandro salientou a preocupação da entidade, expressa nos temas de seus últimos congressos, em articular a construção da democracia e da cidade no Brasil com o estudo da comunicação. “No ano passado, tivemos ‘Ciências da Comunicação contra a desinformação”. No ano retrasado, em Recife, ‘Comunicação e resistência: práticas de liberdade para a cidadania’, lembrando nosso saudoso Paulo Freire, já que fizemos o congresso em sua terra. ‘Um mundo e muitas vozes: da utopia à distopia?’, o Relatório McBride e toda a importância que tem numa perspectiva de superação, de autonomia científica, política, cultural e tecnologia em nosso país [no Intercom 2019]”, elencou. “Falando em política científica, houve um desmonte e é possível reconstruir?”, perguntou, em seguida, ao conferencista convidado.

“Houve um desmonte, sim, deliberado de tudo o que era inteligência no Brasil. E esse é um ponto que já traz uma questão muito importante para a área de vocês [a Comunicação]; uma questão que, com ou sem políticas públicas, tem que ser assumida pela comunidade, mais até do que tem feito. Vocês têm discutido – todos temos discutido na área de Humanas –, mas eu creio que é uma questão que temos que discutir mais ainda: como foi possível um retrocesso democrático tão grande? E comofoi possível isso, com apoio de uma parte substancial da população brasileira – a gente sabe que enganada, manipulada, numa fraude eleitoral vultosa, que em 2018 passou pela declaração da inelegibilidade do candidato favorito às eleições presidenciais; em 2022, passou por uma compra de votos raramente vista no Brasil, através de destinação de recursos vultosos para auxílios emergenciais às vésperas das eleições, bem como através da tentativa de impedir eleitores de uma região inteira do Brasil de irem às urnas no dia do segundo turno. Como foi possível isso acontecer?”, respondeu o professor Janine Ribeiro.

Segundo o presidente da SBPC, o fato de a população ter caído “nesse canto de sereia” que foram as manipulações de 2018 e 2022 gerou um “grande problema, que é a destruição do diálogo”. “Um dos grandes problemas na comunicação atual – estou falando da comunicação política e da comunicação em geral –, problema este que a gente vê no Brasil, mas também nos Estados Unidos com Trump, também na França com Marie Le Pen, também na Itália com a primeira-ministra Georgia Meloni, todos estes personagens de extrema direita que conseguem apoio como? Em primeiro lugar, mentiras deslavadas – não se trata de pessoas e grupos políticos fazerem uma interpretação diferente dos fatos, trata-se de eles negarem os fatos básicos. E, por isso mesmo, esses agrupamentos políticos de extremistas têm dois grandes inimigos: o cientista e o jornalista”, afirmou. “Os cientistas, porque eles propõem uma verdade sobre os fenômenos, vamos chamar assim; os jornalistas e os comunicadores, porque propõem a verdade sobre os fatos. E a verdade é de certa forma o inimigo desses grupos extremistas. Porém, a questão ainda é que eles conseguem blindar os seus apoiadores contra qualquer outro fato.”

O professor destacou a importância da comunicação para a reconstrução do debate e valorização da ciência, destacando-a como área essencial para se discutir o desmanche não apenas das políticas públicas, mas também do tecido social. “A comunicação é a base da sociedade democrática”, explicou, acrescentando que o debate coletivo sobre as questões da sociedade é um direito e um requisito da democracia desde a Grécia Antiga. Segundo ele, é necessário haver pontos de acordo que fundamentem racionalmente o diálogo, que foram destruídos e agora precisam ser reconstruídos: acordo sobre fatos (por exemplo, fatos científicos sobre a covid-19); e acordo sobre valores éticos (é preciso políticas públicas para reduzir a miséria). Além de tornar o debate político irracional, essa falta de acordos básicos tem destruído os “laços” em nossa sociedade.

Após a análise do primeiro tópico do tema do congresso – o desmonte –, o professor Janine Ribeiro apontou caminhos para a superação do negacionismo e a reconstrução dos laços. “A recuperação do tecido social passa muito pelo trabalho de vocês [comunicadores e pesquisadores da Comunicação]”, afirmou, acrescentando que a miséria no Brasil “não é um resíduo”, e sim “é produzida deliberadamente por políticas muito eficientes” para a geração de desigualdades, por isso é fundamental aperfeiçoar políticas públicas que vão no sentido contrário.

Depois de citar adequações ao Bolsa Família como exemplo de aperfeiçoamento, o filósofo ressaltou a importância da reconstrução orçamentária para todas as ciências, inclusive as Humanas, essenciais para o combate da miséria. Por outro lado, afirmou que é fundamental que cada área compreenda suas contribuições para as políticas públicas e para a sociedade – o que, por sua vez, justifica o investimento público nelas. As Ciências da Comunicação, por exemplo, contribuem para a reconstrução dos laços, não só na política, mas na esfera social. “A substituição do diálogo pelo ódio [...] cria uma polarização e torna muito difícil as pessoas falarem entre si, no ambiente político e até no ambiente familiar [...]; muitas famílias e amizades foram desfeitas por cortes políticos baseados na aversão à verdade, no ódio à verdade e no ódio ao diferente”, concluiu.

Por fim, o professor Janine Ribeiro apontou o paradoxo entre a importância crescente da Comunicação e a precarização das profissões ligadas a ela – a exemplo do jornalismo –, bem como a frustração de uma parte das promessas democráticas das redes sociais digitais. “Para você convencer uma pessoa de que ela acredita em elementos falsos, ela tem que estar capacitada a ouvir informações científicas ou jornalísticas”, completou, dizendo que a questão orçamentária da ciência só faz sentido se “a gente sabe o que a gente quer”.

A conferência foi transmitida nos canais da FCA e da Intercom no YouTube e pode ser vista na íntegra.

PAINÉIS

Logo após a conferência de abertura proferida por Renato Janine Ribeiro, foi realizado o primeiro painel do Ciclo de Estudos, em que João Brant, secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Ana Pimentel, deputada federal (PT/MG) e vice-presidente de Educação Superior da Frente Parlamentar da Educação, Bruno Souza Leal (UFMG/CNPq) e Ismar de Oliveira Soares (USP) conversaram sobre “Comunicação como área estratégica: formação para a ciência e cidadania”, com mediação da conselheira da Intercom Cicilia Peruzzo (UFBA).

João Brandt abriu a discussão afirmando que o tema é a chave para o debate do direito à liberdade de expressão e à informação: “O descrédito da ciência faz parte de uma campanha do processo de desinformação que tem interesses políticos e financeiros muito evidentes. Passamos a gestão da esfera a programadores e engenheiros na perspectiva de maximização do engajamento em detrimento do conteúdo”. Em seguida, a deputada Ana Pimentel disse que é importante que os comunicadores e comunicadoras pensem sempre em qual é o papel estratégico da comunicação: “É impossível pensar em ciência separada de comunicação, separada de educação, separada depolítica”. A propósito, a palestrante relembrou que, no último governo, o então presidente Jair Bolsonaro utilizou a ciência de forma instrumental, negando o trabalho científico e promovendo a desinformação por meio de suas falas. Finalizou sua participação dizendo que acredita que é importante defender um projeto de sociedade que respeite as diversidades e diferentes identidades.

Já o professor Bruno Leal elogiou o trabalho da Intercom e o ambiente de debate que a entidade cria no congresso. Como um dos membros do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), apontou alguns desafios das Ciências da Comunicação, como a escassez de investimento em pesquisa na área – por mais, segundo ele, que a Comunicação não exija tantos recursos quanto outras áreas de pesquisa. Ele disse que, muito além de bolsas para pesquisadores, é preciso uma política de acolhimento nas universidades: “Não é simplesmente fazer um mestrado, um doutorado e receber uma bolsa. É preciso pensar em modos de acolhimento mais diversos, e pensar em uma diversidade de públicos presentes na pós-graduação”.

Fechando o primeiro painel, o professor Ismar trouxe uma abordagem político-educomunicativa, usando alguns artigos para questionar a relação entre comunicação e estratégia. Também discorreu sobre a importância do trabalho prático, de “olhar o mundo à volta” e de como é importante as pesquisas em Comunicação levarem em conta as características da sociedade que as cerca. “A comunicação, dada a sua natureza, dada a sua história, dados os seus referenciais, pode conduzir processos, e não somente ser conduzida […]. Que ela passe a comandar serviços para outras áreas, no sentido de ampliar a dialogicidade da sociedade”, defendeu.

O 46º Ciclo de Estudos Interdisciplinares da Comunicação seguiu no dia 6 de setembro com mais dois painéis. O painel 2 – “Comunicação como campo e prática científicos: desafios de produção e circulação do conhecimento para diferentes públicos” foi composto apenas por mulheres: Sonia Virgínia Moreira (UERJ), do Conselho Curador da Intercom, fez a mediação da conversa entre Adriana Omena (UFU), conselheira fiscal da entidade; Cláudia Lago (ECA-USP), gestora do Fórum Ciências Humanas, Sociais Aplicadas, Linguística, Letras e Artes (FCHSSALLA); Thaiane Oliveira (UFF), membro da Academia Brasileira de Ciências; e Verônica Soares da Costa (PUC Minas),líder do Grupo Bertha de Pesquisa.

Sonia Moreira abriu o painel comentando que “uma das tarefas mais difíceis no trabalho acadêmico é conseguir transmitir para as pessoas o que é feito”. Adriana Omena ressaltou o desafio da comunicação científica de falar com cientistas e traduzir suas linguagens para a sociedade, apontando a necessidade de pensar a comunicação como prática científica e o conceito de comunicação pública da ciência, com foco no público, e não apenas na academia e seus atores.

Um dos pontos principais do painel foi a discussão sobre o desmonte da ciência perpetrado nos últimos anos. Segundo Thaiane Oliveira, desmontes acontecem desde 2015. A professora da UFF afirmou que esse cenário de crise é agravado pela descredibilização da academia, pelas fake sciences e pela consequente desmotivação dos pesquisadores(as) e que em 2023, apesar dos ataques orçamentários terem reduzido, os ataques à universidade permanecem, como as agressões realizadas por membros do Movimento Brasil Livre (MBL) em faculdades. Nesse contexto crítico, destaca-se um estudo de 2019 do Instituto Gallup que aponta que 23% dos brasileiros consideravam que a produção científica pouco contribui para o desenvolvimento social e econômico do país.

Para Cláudia Lago, um dos desafios é que a maioria da população não tem acesso à ciência, produzida em locais de elite, e por isso é tão fácil atacar esse sistema. Entre as soluções destacadas pela professora da USP, estão iniciativas de combate à desinformação e a comunicação científica. “A ciência é absolutamente importante e muda a vida das pessoas, impacta a vida das pessoas, mas ela fica muito distante do cotidiano – as pessoas não sabem disso. Então, eu acho que uma das coisas necessárias é começar a comunicar melhor a ciência, de um jeito que as pessoas consigam perceber essa aproximação”, afirmou.

Já a professora Verônica refletiu sobre a representação por vezes sexista de mulheres em veículos de jornalismo científico, como Galileu e Superinteressante. Ela mostrou dados do CNPq analisados pelo projeto Parent in Science para bolsas PQ-1A (nível mais alto de pesquisadores) que apontam que homens brancos têm 58,2% das bolsas vigentes em 2023. Sobre o painel ser 100% feminino, a professora da PUC Minas ressaltou a falta de diversidade racial, mas considerou um avanço: “Nos eventos científicos, em geral, a gente costuma ver painéis formados exclusivamente por homens, principalmente homens brancos, e eu acho que é muito raro ainda a gente ter um painel inteiramente composto por mulheres que não seja para falar de questões específicas do que se considera – eu coloco entre aspas aqui – ‘um tema de mulher’ ou uma discussão de gênero. Então, foi muito importante e tomara que nos próximos eventos todo mundo esteja atento também para pensar em convidar mulheres pretas, mulheres indígenas e outras contribuições também para diversificar ainda mais esse pensamento”.

Por fim, a professora Sonia salientou a importância de estimular a pesquisa científica desde a graduação em Comunicação, lembrando a criação do Intercom Júnior em sua gestão como presidente da Intercom: “O estudante é o futuro. Tudo o que a gente puder fazer para que os estudantes tenham acesso à pesquisa, à produção de conhecimento, vai ser sempre fundamental. Então, 20 anos atrás eu estava aqui organizando com a Ivone de Oliveira, que é professora da PUC Minas, um congresso que tinha um formato até um pouco diferente. Vinte anos depois, eu vejo, conversando com vocês, esse avanço, e eu acho que as novas gerações são fantásticas”.

O terceiro e último painel abordou “Financiamento das pesquisas em Comunicação: reconstrução do fomento como política de Estado”, com a participação de Renata Vicentini Mielli, representante de Luciana Santos, ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação; Paulo Vaz (UFRJ/Capes); Mozahir Salomão Bruck (PUC Minas/Compós); Maria Immacolata Vassallo de Lopes (USP/Intercom); Concepta Margaret McManus Pimentel (Fapesp); e Margarida Krohling Kunsch (USP), conselheira da Intercom que fez a mediação.

Em uma de suas falas, a representante Renata Mielli pontuou algo que conversa com o tema do primeiro painel da manhã: “Não vamos conseguir resistir aos ataques da ciência se a gente não popularizar a ciência para a sociedade brasileira. [...] Este é um governo de reconstrução nacional após seis anos de desmonte e instituições que foram atacadas e descontinuadas pelo governo anterior”. A professora Maria Immacolata também voltou à questão da comunicação científica: “O resultado de uma pesquisa muitas vezes vive dentro de uma bolha acadêmica”, afirmou. “Como fazer com que uma pessoa simples passe a participar desse processo universitário?”.

Paulo Vaz, que já foi representante de área no CNPq, explicou o modus operandi das pesquisas feitas no Brasil, com a maior parte dos recursos vindo do Estado. Segundo ele, há um problema crônico na distribuição desses recursos entre as áreas do conhecimento, com base na nota dos programas como critério; consequentemente, acaba havendo uma competição que pode causar efeitos colaterais negativos. Reforçando a importância da ciência como aliada do desenvolvimento, tanto social como econômico – “O conhecimento é um motor essencial de ambos” –, Concepta Pimentel ressaltou que, embora haja “uma possibilidade ímpar de mudança” neste momento, mais dinheiro “não implicará melhores resultados”.

O professor Mozahir Salomão retomou a discussão sobre o caos que marcou o governo anterior, usando como exemplos teorias conspiracionistas que dominavam os debates, e defendeu que, mesmo com os avanços, não podemos nos dar por satisfeitos. “É muito bom sabermos que não vamos ser jogados para o abismo da terra plana, mas nós precisamos de políticas públicas”. O caminho, segundo ele, passa por não só comemorar o fim do isolamento, mas se perguntar: “Para onde vamos agora?”

O 46º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom 2023) foi realizado em duas etapas: remota, de 29 a 31 de agosto; e presencial, de 5 a 8 de setembro na PUC Minas em Belo Horizonte. Ao todo, o maior congresso científico da área recebeu 3.082 inscrições e 2.327 trabalhos.

A cobertura completa da etapa presencial realizada por estudantes da PUC Minas pode ser conferida no site oficial do evento: https://intercom2023.pucminas.br/noticias/.

A cobertura fotográfica e audiovisual está disponível no Instagram @intercomnacional.

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